sábado, 18 de outubro de 2008

A trágica cobertura da tragédia no ABC

A cobertura intensiva do caso das adolescentes de 15 anos baleadas após serem mantidas reféns pelo ex-namorado de uma delas, em Santo André (SP), trouxe à tona mais uma vez, outro mal: a luta de alguns profissionais da imprensa pelos pontinhos que marcam a audiência das TVs – e de seus programas.

Essa segunda forma de descontrole ficou claramente exemplificada com o “duelo” travado entre os jornalistas Sônia Abrão e Luiz Datena, de emissoras de TV concorrentes. Deselegâncias e acusações na frente da telinha, para milhares de telespectadores assistirem (mais contundentes por parte de Datena), chocaram os menos avisados, que buscavam informações sobre outro tipo de agressão, no caso, o seqüestro.

Se, por um lado, há quem acredite que os policiais que conduziram as negociações durante o seqüestro das meninas poderiam ter evitado, pelo menos, que uma das vítimas fosse baleada durante o desfecho do crime, há quem acredite, também, que os jornalistas/apresentadores em questão precisam repensar algumas condutas profissionais. Talvez, rever o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, sobre o qual faço algumas indagações, frente à guerra dos jornalistas/apresentadores.

É mais do que sabido que o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, e que os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse.

Mas, até onde tornar pública uma briga que é unicamente pela audiência, teve por finalidade o interesse público e o pressuposto de que o exercício do jornalismo implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão?

Lavando suas roupas sujas defronte às câmeras, eles cumpriram com deveres fundamentais do jornalista como valorizar, honrar e dignificar a profissão?

Eu, particularmente, não tenho dúvidas quanto às respostas a essas indagações.

Por outro lado, levando o problema especificamente para a cobertura jornalística feita durante a programação dos dois apresentadores, aí, sim, tenho muitas dúvidas.

Entrevistar o seqüestrador levou ao compromisso fundamental do jornalismo, que é com a verdade no relato dos fatos?

Para se chegar à opção de dar espaço num veículo de comunicação a uma pessoa que agia fora da lei, levou-se em consideração se era caso de incontestável interesse público? Se assim fosse, antes, foram esgotadas todas as outras possibilidades de apuração?

Divulgar em escala massiva informação sensacionalista ou contrária aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes é dever e responsabilidade do profissional do jornalismo?

Bem... não custa relembrar P. Singer, quando o assunto envolve ética:

“A ética pode ser um conjunto de regras, princípios ou maneiras de pensar que guiam, ou chamam a si a autoridade de guiar, as ações de um grupo em particular (moralidade), ou é o estudo sistemático da argumentação sobre como nós devemos agir (filosofia moral)”.

5 comentários:

Raul Christiano disse...

Prezada Arylce,

Muito bem abordada a questão da ética no jornalismo, contudo os veículos de comunicação são ocupados por abutres de audiência, que se sustentam em goladas de sensacionalismo. Outro dia parei para ouvir uma abordagem sobre a mesma ocorrência de Santo André, no programa da Ana Maria Braga, da Globo. Pena que a informação, que é base para a formação intelectual e do próprio caráter da pessoa, antes de se tornar cidadã, seja objeto de uso desqualificado, manipulado. Você é uma profissional de respeito e bem sabe o quanto essa gente despreparada faz de mal ao bom jornalismo e de interesse da sociedade.

Parabéns pelo seu texto!

abração,

Raul Christiano.

Anônimo disse...

Também acho um absurdo essa briga irracional e desrespitosa com os telespectadores, além de tirar a credibilidade da informação.
Adorei suas colocações professora.
Bjus
Carolina Ferreira
PS: Sempre estou cheretando seu blog:)

Anônimo disse...

Analisando do ponto de vista jornalístico, o episódio do seqüestro das jovens Eloá e Nayara foi mais uma das insanas coberturas do nosso jornalismo.


A jornalista Sônia Abrão ao entrevistar o seqüestrador Lindemberg, fez com que o criminoso se colocasse em posição de comando.



A suposta negociação da apresentadora, induziu um discurso brando, de um rapaz apaixonado, que passa por um momento difícil da vida e por esse motivo chegou a essa situação e que experiente jornalista, acreditava que ele iria se render e libertar as meninas.


Essa mediação, só pode ser feita fora com profissionais qualificados, preparados para situação de seqüestro, pois se houver um descontrole, por parte do seqüestrador ou das vítimas, a jornalista não terá a solução estratégica adequada para conter ou coibir o seqüestrador no cativeiro.


O seqüestro tinha um grande diferencial, a moeda de troca não era dinheiro ou qualquer outro bem material e sim um sentimento que não pode ser negociado e tão pouco controlado por ambas as partes.



O desfecho do seqüestro fugiu completamente do controle da polícia, do advogado de defesa, e principalmente da certeza em que a jornalista Sônia Abrão tinha, ao entrevistar Lindemberg, quando afirmava que libertaria às reféns, na melhor hora, e se renderia. Só ela acreditou.



Quanto ao jornalista Datena, a falta de ética, respeito com a sociedade, não é novidade para ninguém. Ambos praticam "jornalismo" sensacionalista, que primam pelo grotesco, para conquistar audiência a qualquer preço.


É lamentavel quando vemos essa guerra explícita entre os profissionais da área e o que é pior, ir além das suas funções como jornalista.


Eliana Motta

Carmen Doria disse...

Infelizmente alguns colegas não pensam na ética, simplesmente querem "mostrar" serviço agindo dessa forma absurda, que é o de fazer "show" com tragédias como as das meninas de Santo André. É preciso rever conceitos!!!

Carmen Doria disse...

Infelizmente alguns colegas não pensam na ética, simplesmente querem "mostrar" serviço agindo dessa forma absurda, que é o de fazer "show" com tragédias como as das meninas de Santo André. É preciso rever conceitos!!!